De Santo Antão à Brava, passando por São Vicente e Santiago, um mesmo grito atravessou o arquipélago: “No bai nha povo”. A manifestação nacional, convocada para este sábado, 11 de outubro, levou cidadãos às ruas da Praia, do Mindelo e de outras localidades, num protesto que denuncia aquilo que muitos consideram ser um colapso silencioso das estruturas sociais e energéticas em Cabo Verde.
Na Praça Dom Luís, no Mindelo, e no Largo da Kebra Kanela, na Praia, juntaram-se artistas, professores, jovens, trabalhadores, desempregados e mães de família. Entre cartazes e depoimentos, os relatos iam muito além da falta de luz: contas de água elevadas para um serviço irregular, lixo acumulado, transportes interilhas instáveis, dificuldades de acesso à saúde e sensação generalizada de falta de escuta por parte das instituições.
“Não é só falta de água ou luz. É falta de respeito, de escuta, de dignidade”, afirma Alberto Koenig, um dos rostos mais visíveis da mobilização, que tem articulado reuniões virtuais entre representantes das ilhas. A socióloga Mariana Tavares lê o fenómeno como sinal de um desgaste profundo: “Há aqui uma dor comum que ultrapassa ideologias. É o país real a falar”.
Nem todos, no entanto, concordam com a forma de protesto. Alguns empresários manifestaram receio de impactos no turismo, enquanto cidadãos mais céticos questionaram se a manifestação trará mudanças concretas. Ainda assim, a adesão observada e a diversidade dos participantes revelam um nível de mobilização raro na história recente do país.
As autoridades de segurança reforçaram o policiamento em pontos estratégicos, garantindo o direito à manifestação e tentando evitar incidentes. Segundo os organizadores, o movimento não tem líderes únicos nem vínculos partidários. Funciona como uma rede de cidadãos, organizada essencialmente através de grupos de WhatsApp, com apoio logístico voluntário e uso do branco como símbolo de paz.
Mais do que um ato isolado, 11 de outubro é visto pelos participantes como um teste à maturidade democrática cabo-verdiana. Se a praça se encheu, foi porque muitos decidiram não calar. E, para os organizadores, caso não haja respostas, a mobilização continuará, com a convicção de que a pressão cívica é um dos poucos instrumentos ao alcance da população para exigir mudanças.