O relato de uma jovem que afirma ter sido abusada sexualmente pelo próprio avô desde os sete anos de idade voltou a expor feridas abertas na sociedade cabo-verdiana. Durante anos, segundo o seu testemunho, o medo, as ameaças e a falta de apoio impediram-na de falar. Quando finalmente encontrou coragem para denunciar, teria sido desencorajada pela família, e o pai, mais tarde, chegou a contratar um advogado para defender o agressor.
Este caso, tal como tantos outros que não chegam à esfera pública, levanta questões estruturais sobre a forma como o país lida com a violência sexual, especialmente quando os agressores são figuras de referência dentro da própria família. Especialistas e ativistas alertam para a combinação de fatores que alimentam a impunidade: receio de retaliações, descrédito em relação à palavra das vítimas, demora nos processos e ausência de acompanhamento psicológico contínuo.
Organizações que trabalham na área sublinham que a violência sexual contra crianças e adolescentes não é um fenómeno isolado, mas parte de um contexto em que o silêncio é muitas vezes imposto como estratégia de “proteção” da família, da reputação ou da comunidade. Esse pacto informal de silêncio, porém, acaba por proteger o agressor e aprofundar o sofrimento das vítimas.
O episódio traz à tona a necessidade de reforçar mecanismos de denúncia, investigação e apoio. Educação para a igualdade de género, formação específica de profissionais que lidam com crianças, campanhas públicas e fortalecimento das instituições de justiça são apontados como medidas essenciais para quebrar o ciclo de medo e normalização da violência.
Para quem vive ou conhece situações semelhantes, a mensagem é: denunciar é um ato de coragem que pode impedir novos abusos. Em Cabo Verde, vítimas e familiares podem procurar ajuda junto da Polícia Judiciária, do ICIEG (Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade de Género) e dos serviços de ação social das câmaras municipais. Proteger as vítimas e responsabilizar os agressores é condição mínima para restaurar a confiança na justiça e na própria sociedade.